Justiça anula contrato de empréstimo com juros abusivos e condena banco a indenizar consumidor

O juiz Herval Sampaio, da 1ª Vara de Ceará-Mirim, declarou nulo contrato de empréstimo firmado entre um consumidor e uma instituição financeira, além de declarar a inexistência de saldo devedor de cerca de R$ 49 mil, tudo diante da incompatibilidade do negócio jurídico com as regras do Código de Defesa do Consumidor. Na mesma sentença, o magistrado condenou o banco a restituir o valor de R$ 3.826,73 ao autor e determinou o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8 mil.

O caso

O autor ajuizou ação declaratória de inexistência de débito com pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais contra a instituição financeira. Alegou que contratou, em abril de 2011, um empréstimo pessoal no valor de R$ 25 mil, sendo dado a sua casa como garantia fiduciária, por exigência da instituição financeira contratada.

Reclama que após mais de nove anos desde a contratação, o saldo devedor praticamente dobrou de valor, bem como os valores das parcelas. Aponta que a parcela de dezembro de 2011 tinha o valor de R$ 359,11, enquanto que a de agosto de 2020 foi no valor de R$ 662,77.

Aponta que já pagou a quantia de R$ 54.549,56 pelo empréstimo de R$ 25 mil e que ainda possui um saldo devedor de R$ 49.456,77, faltando 248 parcelas a serem pagas.

Assevera que o demonstrativo do financiamento indica que o saldo devedor não diminui ao passar do tempo, e que o pagamento das parcelas abate apenas uma parte dos juros e encargos da dívida, entendendo assim haver cláusulas abusivas em seu contrato.

Reclama também da prática de venda casada, haja vista que para ter acesso ao empréstimo teve que fazer um contrato de seguro de morte e invalidez, seguro de danos físicos ao imóvel e taxa de administração, além de danos de ordem moral em razão do endividamento para cumprir com as obrigações indevidamente impostas.

Em sua contestação, o banco alegou ausência de qualquer irregularidade ou ilegalidade na cédula de crédito e que todos os encargos convencionados possuem respaldo legal.

Afirma que é instituição financeira e por isso não está sujeita à limitação de juros remuneratórios da Lei da Usura. Assevera também que o contrato de seguro de danos físicos firmado pelo autor visa resguardar o adimplemento contratual, não havendo de se falar em venda casada, e que o autor assumiu o risco do contrato, pactuando os termos, incluindo taxa de juros, encargos, tarifas e contratação de seguro prestamista.

Aponta que o sistema de amortização adotada na cédula de crédito bancário foi a Tabela Price, que não implica em anatocismo. Sustenta que neste sistema os juros são cada vez menores, pois são calculados sobre o saldo devedor que é cada vez menor e que consequentemente, as amortizações são cada vez maiores para que, somadas aos juros, totalizem prestações iguais, o que significa que na medida em que o tempo vai passando, as amortizações vão sendo deduzidas do capital inicial, obviamente, o saldo devedor diminui, logo, inexiste capitalização.

Decisão

Ao analisar o caso, o juiz Herval Sampaio observa que os contratantes, por força do artigo 422, do Código Civil Brasileiro, são obrigados a guardar na conclusão do contrato e em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé. “Ou seja, a todos é garantida a liberdade de contratar, desde que respeitadas a probidade e boa-fé, e estipuladas cláusulas que não onerem excessivamente a qualquer das partes, principalmente ao consumidor, considerado o hipossuficiente da relação consumerista”, diz a sentença.

O magistrado destaca que, embora o banco alegue aplicar a Tabele Price, formulação matemática na qual os juros são cada vez menores, uma vez que são calculados sobre o saldo devedor que é cada vez menor, não se verificou a diminuição do saldo devedor ao avançar do adimplemento do contrato.

“Verifica-se que não está sendo cumprido o sistema de amortização da Tabela Price, posto que a míngua de notícia de inadimplemento do autor, o montante da dívida deveria está menor do que o valor da dívida no início do contrato de empréstimo, porém, a dívida encontra-se aumentando ao passar dos meses, por mais que autor seja pontual no pagamento das mensalidades do empréstimo”.

O magistrado entendeu não ser razoável que o pagamento parcelado contínuo de uma dívida acarrete o aumento do saldo devedor, “o que revela indubitavelmente uma excessiva onerosidade ao consumidor”.

Herval Sampaio aponta ainda que para atender o direito básico de informação previsto no CDC, seria imprescindível o banco estipular claramente que o contrato de empréstimo implicaria num contínuo aumento da dívida, mesmo com o cumprimento das parcelas mensais da dívida e dos encargos contratuais. “No entanto, não se verifica isso no termo contratual apresentado pelo autor e não impugnado pelo réu”, implicando em outra ilegalidade no negócio jurídico analisado.

O juiz acatou a tese de abusividade da imposição ao autor dos contratos de seguro de morte e invalidez, seguro de danos físicos ao imóvel, o que configura a prática de venda casada, intitulada de abusiva e rechaçada pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. “É vedado pelo Direito Consumerista a imposição ou venda casada de algum serviço ou produto. Assim, serviços como seguros são vistos como um serviço extra que o consumidor é ‘obrigado a contratar’ para poder ter acesso ao empréstimo ou financiamento. Isso configura a prática ilegal”.
Processo sob o nº: 0801694-61.2020.8.20.5102. *Imagem meramente ilustrativa: reprodução internet.

Fonte: TJ-RN