Opinião: O afastamento da trabalhadora grávida e a suspensão do contrato de trabalho

A Lei nº 13.979/2020 dispõe sobre “as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”. Em seu artigo 1º, §2º, a lei aponta que a duração da situação de emergência será estabelecida por ato do Ministro da Saúde, que não poderá ser superior ao declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A declaração de estado de emergência feita pela OMS foi promulgada, no Brasil, por meio do Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020 [1]. O ato do Ministro da Saúde, por sua vez, é a Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020 [2]. Ambos estão em vigor até a presente data.

A Lei nº 14.151, de 12 de maio deste ano, foi taxativa em afastar qualquer empregada gestante das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração, podendo esta ficar em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância. Observe-se o texto integral:

“Lei nº 14.151/2021 — artigo 1º — Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Lei nº 14.151/2021 — artigo 2º — 
Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.

Nesse sentido, se impõe o afastamento de qualquer empregada gestante, de imediato, das funções presenciais, colocando-a, se possível, em teletrabalho enquanto vigorar o estado de emergência de saúde pública decretado pelo Ministério da Saúde.

Em paralelo, a Medida Provisória (MP) nº 1.045, de 27 de abril deste ano, ainda em vigor, prevê a suspensão temporária do contrato de trabalho (artigo 3º, III) como uma das medidas possíveis no contexto do chamado Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, inserida para ajudar o empresariado e os trabalhadores no enfrentamento das consequências econômicas decorrentes da emergência de saúde pública.

Caso tomada essa medida de suspensão quanto à empregada gestante, esta receberá um valor mensal do INSS a título de Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que terá como base de cálculo o valor da parcela do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.

Segundo o artigo 8º, MP nº 1.045/2021, o prazo máximo da suspensão é de 120 dias e depende de acordo individual escrito entre empregador e empregado. Vale dizer que, conforme artigo 12, I, MP nº 1.045/2021, a suspensão de contrato de trabalho por meio de acordo individual só é possível para empregados com salário igual ou inferior a R$ 3,3 mil.

O artigo 12, §1º, II, MP nº 1.045/2021, no entanto, também traz previsão de aplicabilidade da suspensão para empregados que ganhem acima desse valor, desde que do acordo não resulte diminuição do montante total recebido mensalmente pelo empregado. Nesses casos, o empregador precisa complementar o valor recebido do INSS, a título de ajuda compensatória mensal.

Para implementar a suspensão do contrato de trabalho, o empregador deve informar ao Ministério do Trabalho, no prazo de dez dias, contado da data da celebração do acordo individual escrito, que a suspensão ocorreu (artigo 5º, §2º, I, MP nº 1.045/2021). Deve, também, comunicar o sindicato da categoria da ocorrência da suspensão, no mesmo prazo de dez dias após a celebração do acordo (artigo 12, §4º, MP nº 1.045/2021).

A compatibilidade entre a suspensão do contrato de trabalho e o afastamento da empregada gestante é tema novo, de modo que ainda não recebeu suficiente apreciação pelo Poder Judiciário, sendo certo, no entanto, a sua aplicabilidade às gestantes. Já há decisões de primeira instância, nas quais tal compatibilidade foi considerada possível [3]. Todavia, o empregador deve garantir a remuneração integral, arcando com o complemento salarial correspondente à diferença entre o benefício emergencial e o salário que seria devido à funcionária.

Entende-se, nesse sentido, que tal complemento salarial pode ser pago sob a rubrica da já citada “ajuda compensatória mensal”, figura jurídica de natureza indenizatória (e que não integra, portanto, base de cálculo de Imposto de Renda, nem de contribuição previdenciária ou Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, FGTS), prevista no artigo 9º, §1º, MP nº 1.045/2021.

Assim é que, após o fim da suspensão do contrato de trabalho, a empregada terá garantia provisória de emprego durante o mesmo período no qual seu contrato ficou suspenso (que é de até 120 dias), conforme artigo 10, MP nº 1.045/2021.

A melhor interpretação da compatibilidade entre essa norma e a estabilidade gravídica constitucional (artigo 10, II, “b”, ADCT, CF/88) parece ser de que elas se superpõem, na medida em que o objetivo de ambas aponta no mesmo sentido: permanência da trabalhadora no emprego pelo período do benefício concedido à suspensão do contrato de trabalho e o período posterior à gravidez, para cuidar do filho.

Assim, por exemplo, caso uma empregada gestante de 90 dias tenha seu contrato de trabalho suspenso a partir do dia 91, por 120 dias (somando 210 dias de gravidez ao final da suspensão), ficaria estável pelo artigo 10, MP nº 1.045/2021, por mais 120 dias, ou seja, até o dia 330.

Uma gestação dura, em média, 280 dias, de modo que, ao final da estabilidade pela suspensão do contrato, a empregada permanecerá estável pelo artigo 10, II, “b”, ADCT, CF/88, até cinco meses após o parto, sem cumulação dos tempos de estabilidade. Dessa forma, caso haja eventual superposição de períodos, como no exemplo em questão, prevalecerá aquele de limite máximo, inexistindo direito do trabalhador de somar ambas as estabilidades. *Imagem meramente ilustrativa: reprodução internet.

Fonte: Conjur